sábado, 9 de julho de 2016

Auto-descobrimento


O esforço para a aquisição da experiencia da própria iden­tidade humanizada leva o indivíduo ao processo valioso do auto-descobrimento. Enquanto empreende a tarefa do traba­lho para a aquisição dos valores de consumo isola-se, sem contribuir eficazmente para o bem-estar do grupo social, no qual se movimenta. Os seus empreendimentos levam-no a uma negação da comunidade a benefício pessoal, esperando recuperar esta dívida, quando os favores da fortuna e da pro­jeção lhe facultarem o desfrutar do prazer, da aposentadoria regalada. As suas preocupações giram em torno do imedia­tismo, da ambição do triunfo sem resposta de paz interior. A sociedade, por sua vez, ignora-o, pressentindo nele um usur­pador.

De alguma forma é levado ao competitivismo individua­lista, criando um clima desagradável. A sua ascensão será possível mediante a queda de outrem, mesmo que o não de­seje. Torna-se, assim, um adversário natural. O seu produto vende na razão direta em que aumentam as necessidades dos outros e a sua prosperidade se erige como conseqüência da contribuição dos demais. Não cessam as suas atividades na luta pelo ganha-pão.

Naturalmente, esse comportamento passa a exigir, depois de algum tempo, que o indivíduo se associe a outro, forman­do uma empresa maior ou um clube de recreação, ignorando-se interiormente e buscando, sem cessar, as aquisições de fora. A ansiedade, o medo, a solidão íntima tornam-se-lhe habitu­ais, uma de cada vez, ou simultaneamente, desgastando-o, amargurando-o.

O homem, pela necessidade de afirmar-se no empreendi­mento a que se vincula, busca atingir o máximo, aspira por ser o número um e logra-o, às vezes.

A marcha inexorável do tempo, porém, diminui-lhe as resistências, solapando-lhe a competitividade, sendo substi­tuído pelos novos competidores que o deixam à margem. Mesmo que ele haja alcançado o máximo, os sócios atuais consideram-no ultrapassado, prejudicial à Organização por falta de atualidade e os filhos concedem-lhe postos honrosos, recreações douradas, lucros, desde que não interfira nos ne­gócios… Ocorre-lhe a inevitável descoberta sobre a sua inu­tilidade, isto produzindo-lhe choque emocional, angústia ou agressividade sistemática, em mecanismo de defesa do que supõe pertencer-lhe.

O homem, realmente não se conhece. Identifica e perse­gue metas exteriores. Camufla os sentimentos enquanto se esfalfa na realização pessoal, sem uma correspondente iden­tificação íntima.

A experiência, em qualquer caso, é um meio propiciador para o autoconhecimento, em razão das descobertas que en­seja àquele que tem a mente aberta aos valores morais, inter­nos. Ela demonstra a pouca significação de muitas conquis­tas materiais, econômicas e sociais diante da inexorabilidade da morte, da injunção das enfermidades, especialmente as de natureza irreversível, dos golpes afetivos, por defrontar-se desestruturado, sem as resistências necessárias para suportar as vicissitudes que a todos surpreendem.

O homem possui admiráveis recursos interiores não ex­plorados, que lhe dormem em potencial, aguardando o de­senvolvimento. A sua conquista faculta-lhe o autodescobri­mento, o encontro com a sua realidade legítima e, por efeito, com as suas aspirações reais, aquelas que se convertem em suporte de resistência para a vida, equipando-o com os bens inesgotáveis do espírito.

Necessário recorrer a alguns valores éticos morais, a co­ragem para decifrar-se, a confiança no êxito, o amor como manifestação elevada, a verdade que está acima dos capri­chos seitistas e grupais, que o pode acalmar sem o acomodar, tranqüilizá-lo sem o desmotivar para a continuação das bus­cas.

Conseguida a primeira meta, uma nova se lhe apresenta, e continuamente, por considerar-se o infinito da sabedoria e da Vida.

É do agrado de algumas personalidades neuróticas, fugi­rem de si mesmas, ignorarem-se ou não saberem dos acon­tecimentos, a fim de não sofrerem. Ledo engano! A fuga atur­de, a ignorância amedronta, o desconhecido produz ansieda­de, sendo, todos estes, estados de sofrimento.

O parto produz dor, e recompensa com bem-estar, ense­jando vida.

O autodescobrimento é também um processo de parto, impondo a coragem para o acontecimento que libera.

Examinar as possibilidades com decisão e enfrentá-las sem mecanismos desculpistas ou de escape, constitui o passo ini­cial.

Édipo, na tragédia de Sófocles, deseja conhecer a própria origem. Levado mais pela curiosidade do que pela coragem, ao ser informado que era filho do rei Laio, a quem matara, casando-se com Jocasta, sua mãe, desequilibra-se e arranca os olhos. Cegando-se, foge à sua realidade, ao autodescobri­mento e perde-se, incapaz de superar a dura verdade.

A verdade é o encontro com o fato que deve ser digerido, de modo a retificar o processo, quando danoso, ou prosseguir vitalizando-o, para que se o amplie a benefício geral.

Ignorando-se, o homem se mantém inseguro. Evitando aceitar a sua origem tomba no fracasso, na desdita.

Ademais, a origem do homem é de procedência divina. Remontar aos pródromos da sua razão com serena decisão de descobrir-se, deve ser-lhe um fator de estímulo ao tentame. O reforço de coragem para levantar-se, quando caía, o ânimo de prosseguir, se surgem conspirações emocionais que o inti­midam, fazem parte de seu programa de enriquecimento in­terior.

O auto-encontro enseja satisfações estimuladoras, saudá­veis. Esse esforço deve ser acompanhado pela inevitável con­fiança no êxito, porqüanto é ambição natural do ser pensante investir para ganhar, esforçar-se para colher resultados bons.

Certamente, não vem prematuramente o triunfo, nem se torna necessário. Há ocasião para semear, empreender, e momento outro para colher, ter resposta. O que se não deve temer é o atraso dos resultados, perder o estímulo porque os frutos não se apresentam ou ainda não trazem o agradável sabor esperado. Repetir o tentame com a lógica dos bons efei­tos, conservar o entusiasmo, são meios eficazes para identifi­car as próprias possibilidades, sempre maiores quanto mais aplicadas.

Ao lado do recurso da confiança no êxito, aprofunda-se o sentimento de amor, de interesse humano, de participação no grupo social, com resultado em forma de respeito por si mes­mo, de afeição à própria pessoa como ser importante que é no conjunto geral.

Discute-se muito, na atualidade, a questão das conquistas éticas e morais, intentando-se explicar que a falta de senti­mento e de amor responde pelos desatinos que aturdem a so­ciedade.

Têm razão, aqueles que pensam desta forma. Toda­via, parece-nos que a causa mais profunda do problema se encontra na dificuldade do discernimento em torno dos valo­res humanos, O questionamento a respeito do que é essencial e do que é secundário inverteu a ordem das aspirações, con­fundindo os sentimentos e transformando a busca das sensa­ções em realização fundamental, relegando-se a plano inferi­or as expressões da emoção elevada, na qual, o belo, o ético, o nobre se expressam em forma de amor, que não embrutece nem violenta.

A experiência do amor é essencial ao autodescobrimento, pois que, somente através dele se rompem as couraças do ego, do primitivismo, predominante ainda em a natureza hu­mana. O amor se expande como força co-criadora, estimu­lando todas as expressões e formas de vida. Possuidor de vi­talidade, multiplica-a naquele que o desenvolve quanto na pessoa a quem se dirige. Energia viva, pulsante, é o próprio hálito da Vida a sustentá-la. A sua aquisição exige um bem direcionado esforço que deflui de uma ação mental equili­brada.

Na incessante busca da unidade, ora pela ciência que ten­ta chegar à Causalidade Universal, ou através do mergulho no insondável do ser, podemos afirmar que os equipamentos que proporcionaram a desintegração do átomo, complexos e sofisticados, foram conseguidos com menor esforço, em nosso ponto de vista, do que a força interior necessária para a im­plosão do ego, em que busque a plenitude.

A formidanda energia detectada no átomo, propiciadora do progresso, serviu, no começo, para a guerra, e ainda cons­titui ameaça destruidora, porque aqueles que a penetraram, não realizaram uma equivalente aquisição no sentimento, no amor, que os levaria a pensar mais na humanidade do que em si e nos seus.

Amar torna-se um hábito edificante, que leva à renúncia sem frustração, ao respeito sem submissão humilhante, à com­preensão dinâmica, por revelar-se uma experiência de alta magnitude, sempre melhor para quem o exterioriza e dele se nutre.

Na realização do cometimento afetivo surge o desafio da verdade, que é a meta seguinte.

Ninguém deterá a verdade, nem a terá absoluta. Não nos referimos somente à verdade dos fatos que a ciência compro­va, mas àquela que os torne verazes: verdade como veracida­de, que depende do grau de amadurecimento da pessoa e da sua coragem para assumi-la.

Quando se trata de uma verdade científica, ela depende, para ser aceita, da honestidade de quem a apresenta, dos seus valores morais. Indispensável, para tanto, a probidade de quem a revela, não sendo apenas fruto da cultura ou do intelecto, porém, de uma alta sensibilidade para percebê-la. Defronta­mo-la em pessoas humildes culturalmente, mas probas, es­casseando em indivíduos letrados, porém hábeis na arte de sofismar.

A verdade faculta ao homem o valor de recomeçar inú­meras vezes a experiência equivocada até acertá-la.

Erra-se tanto por ignorância como pela rebeldia. Na igno­rância, mesmo assim, há sempre uma intuição do que é ver­dadeiro, face à presença íntima de Deus no homem. A rebel­dia gera a má fé, o que levou Nietzsche a afirmar com certo azedume: “Errar é covardia!”, face à opção cômoda de quem elege o agradável do momento, sem o esforço da coragem para lutar pelo que é certo e verdadeiro.

A aquisição da verdade amadurece o homem, que a elege e habitua-se à sua força libertadora, pois que, somente há li­berdade real, se esta decorre daquela que o torna humilde e forte, aberto a novas conquistas e a níveis superiores de en­tendimento.